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domingo, 17 de agosto de 2008

Alienígenas terráqueos

Imagine só: dois terços da superfície da Terra estão debaixo de águas profundas, abaixo de 200 metros de profundidade. O que significa que, na maior parte do planeta, vive-se em um ambiente molhado, gelado, permanentemente escuro, com pouco alimento e submetido a altíssimas pressões.

Tudo muito diferente do que nós estamos acostumados na superfície. Mas se fosse feito um censo das condições de vida que prevalecem na Terra, essas seriam elas. De repente, não parece mais ser um planeta tão aconchegante né? Talvez não para nós, mas para muitos organismos (talvez a maioria deles), água funda, escura e gelada é o que se costuma chamar de “lar, doce lar”.

Conversei sobre isso recentemente com o pesquisador Alberto Lindner, do Centro de Biologia Marinha (Cebimar) da Universidade de São Paulo, para um reportagem sobre astrobiologia (a ciência que estuda a origem da vida na Terra e a possibilidade de ela ter surgido também em outros planetas).

Ele é especialista em corais de profundidade, aqueles maravilhosos organismos coloridos que a gente vê ao fazer snorkel nas águas cristalinas e iluminadas do Caribe, mas que existem também lá no fundão escuro e gelado dos oceanos, onde só os submarinos chegam. Os recifes mais profundos, segundo ele, estão a mais de 6 km de profundidade! Quero ver alguém ter fôlego para chegar até lá.

A biodiversidade desses ecossistemas profundos ainda é pouca conhecida, simplesmente pela dificuldade de se chegar até eles. Mas é provável que ela seja a maior do planeta, simplesmente por que o espaço é muito grande! Pode não ter a exuberância nem a abundância de uma floresta tropical, mas são dois terços do planeta! Pode ter certeza de que tem MUITO bicho nadando lá embaixo que a gente ainda não conhece.

Curiosamente, apesar de essas espécies viverem completamente isoladas na escuridão, elas, ainda assim, dependem da luz do Sol para sobreviver. A base da alimentação delas é o que os biólogos chamam de “neve” orgânica - os restos mortais de organismos (principalmente microrganismos) que afundam das águas mais rasas, onde a luz solar ainda consegue penetrar e onde a fotossíntese ainda é a base de toda a cadeia alimentar.

(A zona eufótica, como é chamada, tipicamente não passa dos 100 metros de profundidade, para fins de fotossíntese, ainda que alguns comprimentos de onda cheguem a 200 metros, segundo Lindberg. E a temperatura média da água abaixo disso é de gelados 2º Celsius.)

Vista pelas lentes de robôs submarinos, essa matéria orgânica parece cair do “céu” como floquinhos brancos, que servem de alimento para pequenos organismos das profundezas, que servem de alimento para organismos maiores, que servem de alimento para organismos maiores, e assim por diante. Vez ou outra, afunda também uma baleia inteira, que vira um banquete no escuro para uma monte de espécies.

Essa biodiversidade profunda é uma loucura. Tem desde os bichos mais horrendos até os mais belos. Desde peixes cabeçudos e de dentes afiados até graciosas águas-vivas, polvos e lulas que parecem flutuar no espaço em vez da água. Um universo alienígena, bem aqui no nosso quintal!

Pense nisso a próxima vez que olhar para o oceano (principalmente da janela de um avião). Tem coisas lá embaixo que a gente nem imagina!

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LINKS:
Cebimar: http://www.usp.br/cbm/
Vida Escondida (exposição de fotos): http://www.usp.br/cbm/oceano/
Alberto Lindner: http://www.usp.br/cbm/lindner/

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